Pela primeira vez movimentos de esquerda e direita convocaram carreatas neste fim de semana em diversas cidades do país
Pressionar o Congresso Nacional a iniciar um processo de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro.
O Governo Federal encontra dificuldades para agilizar uma ampla campanha de vacinação.
O formato de carreatas, foi escolhido para reduzir o risco de contágio da covid-19 durante os atos.
Grupos como o Movimento Brasil Livre (MBL) e o Vem Pra Rua — organizações que protagonizaram a mobilização pela derrubada da então presidente Dilma Rousseff em 2016 — chamaram atos pelo país na manhã de domingo (24/1).
Já organizações de esquerda, como sindicatos e movimentos populares reunidos na Frente Povo Sem Medo, decidiram nesta semana convocar carreatas para sábado (23/1).
Em cidades como Belo horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro, essa mobilização da esquerda está convergindo com a convocação iniciada na semana passada por integrantes do movimento Acredito — grupo de renovação política que não se coloca como de direita ou esquerda, mas como uma organização progressista, e do qual fazem parte os deputados federais Tabata Amaral (PDT-SP) e Felipe Rigoni (PSB-ES) e o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE).
O integrante do movimento Acredito em Belo Horizonte, Lucas Paulino, iniciou essa mobilização pelo Twitter, ele contou que foi feito contato com o MBL tentando unificar as manifestações no sábado, mas os grupos de direita preferiram manter sua programação original.
Adelaide Oliveira, porta-voz do MBL, disse que a recusa não foi por divergência ideológica, mas pelo fato de o movimento reunir em São Paulo muitas pessoas do setor de comércio que trabalham sábado e, por isso, preferem atos aos domingos.
Já o Acredito e a Frente Povo Sem Medo não quiserem marcar no domingo por causa da segunda etapa do Enem, que ocorre em todo o Brasil a partir de 13h30.
É possível que no futuro grupos com diferentes visões ideológicas compartilhem a rua contra Bolsonaro.
Pontos de aproximação e divergências
Existe uma indignação com a falta de uma ampla campanha de vacinação para imunizar a população contra o coronavírus, além do agravamento da crise com a escassez de oxigênio em Manaus e outras cidades do Norte do país para tratar pacientes com covid-19.
Lideranças de esquerda querem atos com agendas mais amplas, que, além de pedir impeachment e vacinação, cobrem mudanças na política econômica liberal e a volta do auxílio emergencial, pautas rejeitadas pelos movimentos de direita, que defendem redução do rombo fiscal e do tamanho do Estado.
Embora a tentativa de unificar os atos neste fim de semana não tenha obtido sucesso, integrantes do Acredito esperam que a proposta “amadureça” após os atos de sábado, caso as carreatas “sejam um sucesso”.
Eles citam como inspiração o movimento Diretas Já, que no início dos anos 1980 uniu diferentes partidos e grupos políticos a favor do fim da ditadura militar e da volta da eleição direta para presidente. Em abril de 1984, um comício em São Paulo com a participação de Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Henrique Cardoso, Leonel Brizolla e Ulysses Guimarães atraiu centenas de milhares de pessoas.
“A proposta é uma manifestação suprapartidária, que inclua todo mundo que é oposição a Bolsonaro, de forma plural, sem preconceitos, sem distinção ideológica.
Eu acho que o ideal é que todo mundo esteja na mesma rua. A gente precisa construir maioria (em favor do impeachment), e a maioria não vai vir nem só da direita, nem só da esquerda”, diz Lucas Paulino.
“Gostaríamos de conseguir colocar na mesma mesa a CUT (Central Única dos Trabalhadores) e o MBL para conversar e sair dali com um consenso pra impeachment”, disse também Marco Martins, que está em contato com lideranças dos movimentos de esquerda e direita em São Paulo.
A partir da unificação com a mobilização da Frente Povo Sem Medo, há atos previstos em ao menos 25 municípios das cinco regiões do Brasil, incluindo Brasília, Belém, Rio Branco, Porto Alegre, Curitiba e João Pessoa.
“Acho que é positivo que todos os setores se manifestem pelo impeachment nesse momento. Isso mostra a ampliação do desgaste do governo Bolsonaro. Diversos setores têm dito que, nesse momento, a luta pelo impeachment é uma luta para retomar a democracia no país e para retomar também condições sanitárias mínimas no combate à pandemia”, afirma Josué Rocha, que integra a Frente Povo Sem Medo e é da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto.
© Reprodução/Twitter Formato de carreata foi pensado para diminuir possibilidade de contaminação por coronavírus
A secretária-geral da CUT (Central Única dos Trabalhadores), Carmen Foro, tem posicionamento semelhante — ela não descartou uma convergência mais à frente, mas enfatizou a diferença de agendas políticas.
“Há uma janela importante aberta de pedido de saída do Bolsonaro, por vários setores, por interesses diferenciados, mas tem uma janela aberta. Vamos fazer no sábado e eles no domingo. Dessa vez não serão carreatas antagônicas, serão carreatas que acumulam para um projeto futuro”, acrescentou.
Vem pra Rua é o mais recente a embarcar no impeachment
Dentro da esquerda, há pedidos pelo impeachment desde 2019, enquanto o MBL entrou nesse coro em abril do ano passado. Já o Vem Pra Rua está pela primeira vez mobilizando seus seguidores pela retirada de Bolsonaro, motivado pela falta de uma ampla campanha de vacinação.
No domingo (17/01), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o uso emergencial de duas vacinas — a da Astrazeneca/Oxford e a Coronavac, desenvolvida pela chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, órgão do Estado de São Paulo.
No entanto, somente a vacinação com a Coronavac começou, ainda assim com apenas 6 milhões de vacinas, devido à dificuldade do Butantã e da Fiocruz (que produzirá a da Astrazeneca/Oxford) de conseguir importar insumos ou vacinas prontas da China e da Índia, problema que os críticos do governo atribuem à incompetência diplomática da administração Bolsonaro.
Além disso, o governo demorou a buscar outros fornecedores, como Pfizer, cuja vacina já está sendo usada em dezenas de países.
© Reuters A pressão por um impeachment de Jair Bolsonaro tem aumentado na pandemia
“Com todas as evidências que vieram à tona no manuseio da vacina, fica mais do que caracterizado o crime de responsabilidade de Bolsonaro de não zelar pela segurança e por direitos individuais do brasileiro. Isso começa a trazer de forma mais explícita quais são as consequências dos atos atuais de Bolsonaro: mais desemprego e mais mortes” disse Rogério Chequer, líder do Vem Pra Rua, que declarou voto em Bolsonaro no segundo turno da eleição de 2018.
“O que estamos observando em termos de cenário é que uma enorme parte da população que antes simplesmente não gostava de Bolsonaro hoje está revoltada com Bolsonaro. O que a gente vê hoje é um aumento no nível da revolta da população, do inconformismo. E esses componentes, quando começaram a aparecer no impeachment de Dilma, começou a aumentar a velocidade do processo”, compara.
Ele também descartou, no momento, a realização de atos conjuntos entre esquerda e direita por serem ” movimentos com premissas de governo completamente diferentes”.
“Estamos num momento onde a gente precisa de mais união e menos polarização. Eu acho que dois movimentos que não têm a mesma convergência política podem estar defendendo a mesma coisa. Se vão estar fisicamente um ao lado do outro, isso eu acho que é menos importante”, acredita.
Aliança com Centrão pode proteger Bolsonaro
Já foram apresentados mais de 60 pedidos de impeachment contra Bolsonaro, a maioria deles após a crise do coronavírus. Um processo, porém, só pode ser iniciado pelo presidente da Câmara, e o atual, Rodrigo Maia, disse não ter levado a ideia adiante argumentando que o foco do Congresso deveria estar no enfrentamento da pandemia.
Grupos defensores do impeachment têm pressionado parlamentares também pelas redes sociais. A conta no Twitter @sosimpeachment está contabilizando a posição dos deputados e, até a manhã de quinta-feira (21/01), indicava haver 111 favoráveis ao afastamento de Bolsonaro, 58 contra e 344 sem posicionamento público.
A Câmara só autoriza o afastamento de um presidente para ser julgado pelo Senado quando há 342 votos pelo impeachment. Hoje, Bolsonaro parece ter uma base capaz de impedir esse cenário — após um início de governo com embates com o Parlamento, a partir de maio de 2020 o presidente passou a fortalecer sua aliança com partidos do Centrão, trocando apoio político por indicações para cargos na administração federal.
Na avaliação de Rogério Chequer porém, “o nível de fidelidade dele (Bolsonaro) e do Centrão é muito baixo”, podendo essa aliança se romper a depender das circunstâncias políticas e da pressão popular contra o presidente.
Além da aliança política, o apoio que Bolsonaro mantém com parte da sociedade pode ser um empecilho para o andamento do impeachment. Sua popularidade atingiu seu auge em meados de 2020, puxada pelo programa de auxílio emergencial. Pesquisas de opinião mostram que a avaliação positiva vem caindo a partir do final do ano passado, mas ainda não estão em patamares tão baixos quanto a de Dilma Rousseff atingiu quando a petista foi derrubada.
Segundo pesquisa Ibope de dezembro, o governo Bolsonaro era avaliado como bom ou ótimo por 35% da população contra 40% três meses antes. Já pesquisa XP/Ipespe divulgada na terça-feira (19/01) mostrou que a avaliação de Bolsonaro como ótimo e bom caiu de 38% para 32%, enquanto o ruim e péssimo subiu de 35% para 40%.
Nos últimos dias, apoiadores de Bolsonaro reagiram à mobilização pelo impeachment com a hashtag #QueroBolsonaroAte2026, enquanto os apoiadores das carreatas usaram #dia23ImpeachmentJa e #CongressoPauteOImpeachment.
© Reuters Bolsonaro disse que são as Forças Armadas que decidem se o país é uma democracia ou ditadura
O que os movimentos esperam do vice Mourão?
Um eventual impeachment de Bolsonaro levaria o vice-presidente Hamilton Mourão, general da reserva do Exército, ao comando do país. Apesar do aumento da mobilização contra o atual presidente, não há uma empolgação com um governo do vice entre os movimentos ouvidos pela reportagem.
Para Carmen Foro, da CUT, o ideal seria que o Congresso elegesse um presidente para concluir o mandato de Bolsonaro. No entanto, isso só aconteceria se a chapa Bolsonaro-Mourão fosse cassada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) — existem ações que questionam a legitimidade da eleição dos dois em andamento na Corte, mas sem previsão de conclusão.
“Não acho que Mourão, que os militares, é a saída política para alguma coisa”, diz Foro.
Na visão de Lucas Paulino, do Acredito, a aprovação do impeachment seria uma sinalização clara para Mourão “do padrão de conduta que não é tolerada para um presidente”.
“Então, se as bases jurídicas e políticas forem o extremismo antidemocrático do Bolsonaro e seu negacionismo científico, o Mourão já assumiria com essa bagagem e teria que agir de modo diferente para que não corra o risco de sofrer o mesmo processo”, afirma. “Mas temos que ver se ele vai romper com o presidente e apresentar uma agenda própria. O vice tem que se colocar para sucessão até para o êxito do impeachment no Congresso.”
Já para Rogerio Chequer, do Vem Pra Rua, não é a “qualidade” do vice que deve influenciar o andamento ou não de um processo de impeachment.
“A gente acredita que temos que ajudar no amadurecimento da democracia tirando aqueles governantes que não estão trabalhando para o povo, independentemente de quem seja o vice”, argumenta Rogerio Chequer, do Vem Pra Rua “Não éramos a favor de Michel Temer (vice de Dilma), não estamos fazendo nenhum movimento pró-Mourão. O que estamos fazendo é tentar tirar do poder uma pessoa que é hoje uma ameaça para o povo brasileiro.”