O fim da contribuição sindical obrigatória com a Reforma Trabalhista
Dentre as profundas alterações trazidas pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), uma das mais sensíveis foi o término da contribuição sindical obrigatória
A principal fonte de receita das entidades sindicais sempre foi o chamado “imposto sindical”. Para os trabalhadores, a contribuição corresponde a um dia de salário por ano (art. 580, I da CLT), já para as empresas, o valor varia de acordo com o seu capital social, aplicando-se a tabela progressiva constante do art. 580, III da CLT.
Para que se tenha uma ideia da grandeza de valores, a contribuição sindical, em 2016, chegou a 3,5 bilhões de reais. Nada mal.
Assim dizia a CLT, antes da reforma:
Art. 578 – As contribuições devidas aos Sindicatos pelos que participem das categorias econômicas ou profissionais ou das profissões liberais representadas pelas referidas entidades serão, sob a denominação do “imposto sindical”, pagas, recolhidas e aplicadas na forma estabelecida neste Capítulo.
Art. 579 – A contribuição sindical é devida por todos aqueles que participarem de uma determinada categoria econômica ou profissional, ou de uma profissão liberal, em favor do sindicato representativo da mesma categoria ou profissão ou, inexistindo este, na conformidade do disposto no art. 591.
Art. 582. Os empregadores são obrigados a descontar, da folha de pagamento de seus empregados relativa ao mês de março de cada ano, a contribuição sindical por estes devida aos respectivos sindicatos.
Com a reforma trabalhista, a redação passou a ser:
Art. 578. As contribuições devidas aos sindicatos pelos participantes das categorias econômicas ou profissionais ou das profissões liberais representadas pelas referidas entidades serão, sob a denominação de contribuição sindical, pagas, recolhidas e aplicadas na forma estabelecida neste Capítulo, desde que prévia e expressamente autorizadas.
Art. 579. O desconto da contribuição sindical está condicionado à autorização prévia e expressa dos que participarem de uma determinada categoria econômica ou profissional, ou de uma profissão liberal, em favor do sindicato representativo da mesma categoria ou profissão ou, inexistindo este, na conformidade do disposto no art. 591 desta Consolidação.
Art. 582. Os empregadores são obrigados a descontar da folha de pagamento de seus empregados relativa ao mês de março de cada ano a contribuição sindical dos empregados que autorizaram prévia e expressamente o seu recolhimento aos respectivos sindicatos. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)
Nota-se, com extrema clareza, que a contribuição sindical deixou de ser obrigatória – tanto para as empresas como para os empregados – o que causou uma drástica perda de receita para as entidades sindicais. Alguns estudos apontam que houve uma perda de cerca de 90% da contribuição sindical no primeiro ano de vigência da reforma trabalhista.
Com tão expressiva perda, é evidente que as entidades sindicais foram buscar, de todas as formas, junto ao STF, alguma declaração de inconstitucionalidade da nova regra.
Inúmeras ações foram propostas no STF. Eis o resultado:
ADC 5.794 (29/06/2018)
EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E TRABALHISTA. REFORMA TRABALHISTA. FACULTATIVIDADE DA CONTRIBUIÇÃO SINDICAL. CONSTITUCIONALIDADE. INEXIGÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR. DESNECESSIDADE DE LEI ESPECÍFICA. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À ISONOMIA TRIBUTÁRIA (ART. 150, II, DA CRFB). COMPULSORIEDADE DA CONTRIBUIÇÃO SINDICAL NÃO PREVISTA NA CONSTITUIÇÃO (ARTIGOS 8º, IV, E 149 DA CRFB). NÃO VIOLAÇÃO À AUTONOMIA DAS ORGANIZAÇÕES SINDICAIS (ART. 8º, I, DA CRFB). INOCORRÊNCIA DE RETROCESSO SOCIAL OU ATENTADO AOS DIREITOS DOS TRABALHADORES (ARTIGOS 1º, III E IV,5º, XXXV, LV E LXXIV, 6º E 7º DA CRFB). CORREÇÃO DA PROLIFERAÇÃO EXCESSIVA DE SINDICATOS NO BRASIL. REFORMA QUE VISA AO FORTALECIMENTO DA ATUAÇÃO SINDICAL. PROTEÇÃO ÀS LIBERDADES DE ASSOCIAÇÃO, SINDICALIZAÇÃO E DE EXPRESSÃO (ARTIGOS 5º, INCISOS IV EXVII, E 8º, CAPUT, DA CRFB). GARANTIA DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO (ART. 5º, IV, DA CRFB). AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADAS IMPROCEDENTES. AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE.
Percebe-se que o STF entendeu que não havia qualquer inconstitucionalidade na nova regra, sendo assim, “validada” por aquela Corte o fim da contribuição sindical obrigatória.
Surgiu, a partir daí, uma nova estratégia entre as entidades sindicais. A “autorização coletiva” de desconto. Em poucas palavras, tratou-se de uma manobra com o intuito de “driblar” o que diz a lei e o que entendeu o STF. O sindicato realiza uma assembleia com os trabalhadores que representa e coloca em votação a autorização – coletiva – para o desconto da contribuição sindical. Se a maioria aceitar, a contribuição seria devida por todos os trabalhadores representados por aquele sindicato, naquela base territorial.
Tal conduta praticada por alguns sindicatos passou a ser discutida no Judiciário, criando, então, uma nova discussão jurídica – não mais se a contribuição deixou de ser obrigatória, já que isso ficou decidido pelo STF – mas se a autorização teria que ser individual ou poderia ser coletiva.
Como exemplo, transcrevemos trecho de uma decisão proferida pelo TRT da 4ª Região:
Nos julgamentos da ADI 5794 e da ADC 55, o STF decidiu pela inconstitucionalidade da cobrança compulsória da contribuição sindical, tornando-se facultativa, mas reafirmando a necessidade de promoção de assembleia geral de toda categoria para a criação de receitas, com edital prévio e convocação específica para tanto, nos termos da atual redação dos arts. 578 e 579 da CLT, introduzida pela Lei n. 13.467/2017. Destaco o entendimento de que a autorização alcançada por meio de assembleia geral convocada especificamente para tal finalidade supre o consentimento individual, pois privilegia a negociação coletiva. Adoto, no particular, o item I do Enunciado n. 38 da Anamatra:
ENUNCIADO N. 38 ANAMATRA. CONTRIBUIÇÃO SINDICAL. I – É lícita a autorização coletiva prévia e expressa para o desconto das contribuições sindical e assistencial, mediante assembleia geral, nos termos do estatuto, se obtida mediante convocação de toda a categoria representada especificamente para esse fim, independentemente de associação e sindicalização.
Tal decisão foi objeto de reclamação perante o STF, gerando a seguinte decisão:
MEDIDA CAUTELAR NA RECLAMAÇÃO 34.889 – RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA (24/05/2019)
RECLAMAÇÃO. CONTRIBUIÇÃO SINDICAL. NECESSIDADE DE MANIFESTAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA. REALIZAÇÃO DE ASSEMBLEIA GERAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N. 5.794/DF. MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. PROVIDÊNCIAS PROCESSUAIS.
Pelo exposto, sem prejuízo da reapreciação da matéria no julgamento do mérito, defiro a medida liminar requerida para suspender os efeitos do acórdão proferido pelo Tribunal Regional do Trabalho da Quarta Região no Recurso Ordinário n. 0020275-53.2018.5.04.0405 (inc. II do art. 989 do Código de Processo Civil).
Um mês após tal decisão, o STF apreciou novamente a questão, desta vez pelo Ministro Barroso (Reclamação 35540 – Rel.: Min. Luís Roberto Barroso em 28/06/2019)
O Ministro Barroso deferiu liminar para suspender decisão do juízo da 48ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro que determinou que a Claro S.A. efetuasse o desconto em folha da contribuição sindical de seus empregados sem autorização individual prévia e expressa. Em análise preliminar do caso, o relator verificou violação à autoridade da decisão do STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5794, na qual a Corte julgou constitucional o fim da cobrança compulsória da contribuição.
A sentença da 48ª Vara do Rio, que teve seus efeitos suspensos, foi proferida em ação civil coletiva ajuizada pelo Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Telecomunicações no Estado do Rio de Janeiro (SINTTEL/RJ), argumentando que a modificação introduzida pela Reforma Trabalhista seria inconstitucional e a cobrança poderia ser autorizada por assembleia geral da categoria. De acordo com a decisão da primeira instância da Justiça do Trabalho, qualquer norma infraconstitucional, como o novo texto do parágrafo 2º do artigo 579 da CLT, que relativize ou reduza o poder dado aos sindicatos de estabelecer a vontade coletiva da categoria profissional, inclusive no campo das contribuições, seria inconstitucional. “No direito coletivo do trabalho, a vontade coletiva se sobrepõe à vontade individual”, assentou a sentença.
No STF, o Ministro Barroso teve outro entendimento. Disse o Ministro: “A leitura dos dispositivos declarados constitucionais pelo STF aponta ser inerente ao novo regime das contribuições sindicais a autorização prévia e expressa do sujeito passivo da cobrança. O entendimento do juízo de primeira instância, que delegou à assembleia geral o poder de aprovar a cobrança para todos os membros da categoria, presentes ou não à reunião, aparentemente esvazia o conteúdo das alterações legais declaradas constitucionais pelo STF”.
Assim, dois pontos ficaram suficientemente claros:
- A contribuição sindical não é mais obrigatória e depende, no caso da empresa, da sua exclusiva vontade de contribuir para o seu sindicato (categoria econômica). No caso do empregado, também depende de sua vontade, e, se quiser contribuir, deverá conceder autorização prévia e expressa à empresa para que esta realize o desconto e o repasse do valor ao Sindicato representativo da categoria profissional;
- A autorização deve ser individual, e não coletiva (para esta tese, repita-se, a análise se deu em medida liminar, dependendo ainda de confirmação quando do julgamento do mérito pelo STF).
Para finalizar, cabe ressaltar que a situação das entidades sindicais poderia ter ficado ainda pior, caso tivesse sido voltada e aprovada a MP 873/2019, o que acabou não acontecendo.
por G7 Jurídico