Costa paraibana esconde parte da riqueza histórica do Estado
Barcos que afundaram desde o século 16 são patrimônio de biodiversidade protegido nas profundezas do mar
Parte da história da terceira cidade mais antiga do Brasil é anterior aos seus 435 anos de fundação – e se encontra no fundo do mar. Cerca de quarenta escunas, caravelas e brigues, maioria de origem inglesa, portuguesa e espanhola, testemunham trajetos econômicos interrompidos por acidentes que ocorreram às margens do Litoral paraibano. Hoje, toda essa relíquia que veio a pique serve de abrigo para rica fauna e flora marinhas – e podem ser apreciadas de perto por adeptos do mergulho recreativo ou científico. Ismar Just é instrutor de mergulho há 35 anos e dono da empresa Mar Aberto Mergulho, pioneira local no segmento. Ele diz que os 16 pontos mais procurados (entre naufrágios e formações de coral) ficam em Tambaú e Penha (em João Pessoa) e Intermares e Camboinha (em Cabedelo). “A pandemia afetou as operações de março a maio. Já nos meses de inverno, nem tanto, pois é costume esta movimentação diminuir. A partir de outubro, retomaremos com novos protocolos de higienização e redução de mergulhadores”, prevê. A embarcação dele tem capacidade para conduzir até 25 mergulhadores. Cada operação envolve a visita a dois pontos, que sai em torno de R$ 450. A escolha dos locais depende das condições do tempo e mar, velocidade dos ventos, visibilidade da água e até do calendário – os cobiçados naufrágios em Gramame e Jacumã (Litoral Sul) e Lucena (Litoral Norte) têm pouca visitação na maior parte do ano por estarem próximos a desembocaduras de rios, o que aumenta a turbidez da água (a escuna portuguesa Jessé, por exemplo, jaz em Jacumã desde 1574). Os divers (mergulhadores) saem às 8h e retornam às 14h, colecionando fotos e memórias incríveis. Há mais de 20 anos, o professor de Educação Física Marcos Antônio Medeiros, o Kaká, 61, pratica o mergulho pelo menos uma vez ao ano, quando viaja da sua Patos natal para a capital. “O festival de cores da natureza, o silêncio total que nos invade, a sensação de virar peixe por alguns momentos e ser transposto para um aquário infinito é indescritível”, compara. Kaká conhece todas as rotas do esporte de aventura entre a Paraíba e o Rio Grande do Norte, mas nutre especial afeição pelo turismo em Alvarenga, Alice e Alcântara – “Não propriamente os barcos em si, mas a natureza que os rodeia”. Já planeja o próximo passeio. Medo de tubarão? “Não. O grande animal somos nós, humanos. No mar estamos integrados num só contexto
A nove quilômetros da ponta do Bessa e a uma profundidade entre 12 e 18 metros, descansa o gigante americano Ship Erie J.N.Y. (1873), com 105 metros de comprimento, que viajava do Rio de Janeiro a Nova York transportando café, quando sofreu um incêndio provocado por um curto-circuito (por isso é conhecido como “Queimado”). Parte da estrutura está soterrada. “Esta é uma embarcação com características únicas em todo o mundo, por ter caldeiras retangulares e ter atravessado uma fase de transição da tecnologia que revestia os cascos. Todos os viajantes foram salvos por pescadores da colônia de Tambaú”, relata Just. Ao seu redor, grandes cardumes de peixes ósseos convivem com arraias, polvos, lagostas, moreias, tartarugas marinhas e tubarões-lixa. Mais próximo da costa (a 5,5 km de distância da ponta do Bessa), o Alice, de 840 toneladas e 53 metros de comprimento, embicou em 1899. Segundo registros não confirmados, o vapor participou da Guerra do Paraguai (1864-1870). Durante os mergulhos, as onipresentes arraias, tubarões-lixa e peixes de recife circulam perto de tartarugas e, eventualmente, o mero. Distante 11 km da ponta do Bessa e em frente à Areia Vermelha eis o Alvarenga.
“Não se trata do nome, mas de um tipo de embarcação”, esclarece Just. Neste caso, virou nome próprio. A alvarenga é uma espécie de canoa grande destinada a transportar cargas dos navios para o porto. Em razão do porte tímido para a navegação rebocada, não resistia ao mar muito revolto. “Três canoas dessas desapareceram, mas só encontramos duas”, aponta.
fonte: Jornal da Paraíba