Fernando Chagas: “A varíola dos macacos atinge pessoas de todas as idades e gêneros”

Paraíba tem nove casos notificados sendo um confirmado, dois descartados e seis que continuam em investigação

Fernando Chagas, médico infectologista

No fim do mês de julho, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que a monkeypox constitui uma emergência de saúde pública de importância internacional por conta do potencial de rápida disseminação da doença em todo o mundo. No Brasil, desde que o primeiro caso foi confirmado no dia 9 de junho, já são mais de 1,3 mil pessoas contaminadas e diversos casos suspeitos. Já na Paraíba, são nove casos notificados sendo um confirmado, dois descartados e seis em investigação até a quinta-feira.

Com o avanço, o Ministério da Saúde busca soluções para evitar um maior adoecimento da população e anunciou que a vacina para a doença deve chegar em agosto para iniciar o processo de imunização de grupos mais suscetíveis. Até lá, no entanto, a população precisa estar atenta às informações corretas sobre a doença. O principal é lembrar que, diferente do que se dissemina, a doença não é específica de determinado grupo de acordo com sua orientação sexual. A doença, popularmente chamada de ‘varíola dos macacos’ atinge pessoas de todas as idades e gêneros, é o que diz Fernando Chagas, médico infectologista e diretor do Hospital Clementino Fraga.

Ao Jornal A União, o médico esclareceu dúvidas e trouxe informações sobre cuidados com a doença.

A entrevista


O que é a varíola dos macacos e quais são os sintomas?

A varíola dos macacos é uma doença provocada por um vírus, o monkeypox, que causa a chamada monkeypox. A gente tem até evitado usar o termo “varíola dos macacos” para que as pessoas não associem aos macacos, que na verdade nem são reservatórios da doença. Eles podem ser vítimas, assim como os seres humanos. Os animais que podem conter o vírus e transmiti-lo são os roedores. Esse vírus tem a capacidade de causar febre, dor de cabeça, moleza no corpo e lesões na pele, que podem doer em alguns casos e outros não. Podem também se infectar com bactérias. É uma doença transmitida de pessoa para pessoa, principalmente pelo contato, pelo toque das lesões, mas também por gotículas ou objetos contaminados porque podem cair e ficar neles e durante esse tempo se tornar viável para a transmisão.

Existem formas de prevenção e evitar o contágio?

Temos visto monkeypox atingindo especialmente as populações mais jovens e que têm muitos contatos com outras pessoas. Evitamos pegar a doença tendo cuidado do contato, principalmente mais próximo, de pessoas suspeitas ou positivas para a doença. Segundo, é importante também o hábito de lavar as mãos quando tocar nas pessoas, ter seus objetos de uso pessoal separados, evitar compartilhar toalhas, copos, pratos, talheres… Ter cuidado com a limpeza do material da cama, lençóis e travesseiros. Mas também ter cuidado com os parceiros, principalmente os sexuais. Diminuir o quantitativo de parceiros diferentes porque tem se visto essa relação de maior número de parceiros como o maior risco de pegar a doença.

É possível que a doença seja transmitida através do contato com superfícies tocadas pelos contaminados, por exemplo?

É uma doença que pode ser transmitida de objetos e de ambientes porque o vírus, diferente de outros, sobrevive nos locais. Ele fica muito tempo ali infectando. Então uma pessoa dormindo na cama e você dormir lá também aumenta o risco de pegar, assim como compartilhar toalhas e outros objetos.

EPIDEMIA – É comum, no início das epidemias, um ou outro grupo ser um pouco mais acometido, mas qualquer pessoa pode pegar monkeypox

Como o diagnóstico é realizado?

O diagnóstico é laboratorial, então a gente faz uma análise a partir de SWAB na lesão, que é um cotonete estéril que a gente passa no líquido dentro da bolinha e no fragmento da crosta, que é quando a lesão já está seca. Ali nós tiramos um fragmento e mandamos para a análise. Achando o vírus nessas lesões é dado o diagnóstico.

Como é feito o tratamento e quais são as possíveis consequências caso a doença não seja tratada?

Não existe no Brasil um tratamento específico, existe um antiviral utilizado lá fora, mas ainda não temos aqui. Geralmente os casos são leves e não se trata o vírus diretamente, se trata os sinais ou sintomas que o vírus provoca. Uma dor, uma infecção que ele pode provocar por fora, com uma infecção secundária. A gente trata os sintomas, os chamados sintomáticos dos pacientes. Mas o Ministério da Saúde já está se movimentando no sentido de conseguir um antiviral, que não impede que a doença seja transmitida, mas diminui o tempo de adoecimento, já que a pessoa pode passar até quatro semanas com as lesões.

Qual é a nossa maior preocupação neste momento?

O grande medo em relação ao monkeypox, na verdade, são os riscos com idosos. Parte deles foram vacinados na década de 60 e 70, então há chances menores de adquirir as doenças e com chances menores de terem formas mais graves. Mas idosos, pessoas mais fragilizadas, gestantes, principalmente, pessoas imunossuprimidas, que fazem quimioterapia, correm risco maior de desenvolver formas graves da doença. As mortes que têm sido atribuídas ao monkeypox, todas elas foram em pessoas imunossuprimidas.

Uma vacina contra a doença já foi aprovada. O que podemos esperar sobre essa forma de proteção? Há perspectivas para sua chegada no Brasil?

Já existe uma vacina contra a varíola humana que, consequentemente, também protege contra o monkeypox, que é uma vacina feita à base de um vírus chamado vaccinia, que foi identificado no Brasil, no nosso gado, principalmente na região do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Mas esse vírus acomete mais quem está ali ordenhando gado e a transmissão dele é muito rara fora desse contexto. Como ele é da família do monkeypox e da varíola humana, fizeram as vacinas que acabaram com a varíola humana na década de 70. Alguns países mantêm estoque dessa vacina por conta do risco de arma biológica, já que a varíola humana pode ser usada como arma biológica. Então países como os Estados Unidos, Reino Unido, China e Rússia contém estoques e são esses que estão sendo distribuídos no mundo para tentar frear o avanço da doença. Concomitantemente, os laboratórios capazes de reproduzir novamente já estão em fase de reprodução. O problema é fazer vacina para o planeta inteiro. Então é um processo demorado, lento. Até lá vamos distribuindo as vacinas de estoques desses países e aplicadas apenas em profissionais de saúde que estão no enfrentamento da doença e em pessoas que tiveram contato com suspeitos de monkeypox.

 
É possível que haja contaminação durante a gestação, por exemplo, entre a mãe e o feto?

Gestantes com monkeypox é um risco. Pode passar para crianças, pode gerar um aborto espontâneo. É uma situação que a gente se preocupa, por isso as gestantes precisam ser muito, muito protegidas. A vacina não pode ser aplicada em gestantes, mesmo quando chegar, porque a ela é feita do vírus atenuado. Ele está enfraquecido e por isso a gestante não pode receber. É uma população que a gente precisa proteger um pouco mais.


 A pesquisa desenvolvida pelo New England Journal of Medicine mostrou que a predominância de casos entre homens gays ou bissexuais (98%) e portadores do vírus HIV (41%), existe alguma relação entre ambos? A predominância entre os grupos, neste momento, pode acabar desenvolvendo quadros de discriminação?

A gente tem visto uma grande parte das pessoas com monkeypox que são homens que fazem sexo com homens, mas isso não significa que a doença pertença a um determinado grupo ou perfil de pessoas de forma alguma. Isso aconteceu com o HIV e as repercussões foram muito negativas. Associaram o vírus a homens que fazem sexo com homens, gerando mais preconceitos, rótulos e sofrimento. Na verdade é comum, no início das epidemias, um ou outro grupo ser um pouco mais acometido, mas qualquer pessoa pode pegar monkeypox. No avançar da disseminação do vírus, muito provavelmente nós vamos ver esse perfil mudar, por isso que a gente precisa intervir e evitar que avance muito, avance cada vez mais. Por isso também é importante a conscientização para evitar rótulos e preconceitos, especialmente a população que já sofre tanta perseguição e tanto sofrimento. Não é uma doença dos homossexuais, não é uma doença de um perfil ou outro, é uma doença que acomete a todos.

O vírus causa febre, dor de cabeça, moleza no corpo e lesões na pele, que podem doer em alguns casos e outros não

A onda antivacina no mundo todo pode ter possibilitado a modificação no vírus e a situação de emergência global?

Existe um movimento antivacina global que aumentou nos últimos anos e tem se refletido na queda das coberturas vacinais das diversas vacinas mundo a fora com o retorno de doenças que a gente nem imaginava que pudessem avançar. O movimento antivacina não impactou na decisão em tornar a doença uma emergência mundial, o que impactou na decisão, na verdade, é que quando se considera uma doença emergência mundial, mecanismos burocráticos que atrapalham por exemplo pesquisas e o desenvolvimento de vacinas e exames caem por terra. Então fica muito mais fácil para os laboratórios buscarem exames, alternativas de vacinas que possam ser aplicadas em todo mundo. Então facilita o treinamento e a vigilância em todo o planeta. A gente espera que esses movimentos antivacina sejam combatidos com informações que na verdade nada mais são do que fruto de ignorância. Mas vamos informar, trabalhar e educar para esses movimentos não diminuírem e, enfim, poderemos usar esse instrumento que é maravilhoso e de proteção coletiva que são as vacinas em prol da sociedade, da raça humana e da nossa espécie.

Os casos de diagnóstico positivo para a doença têm se disseminado pelo país, com crescente também entre os estados do Nordeste. O cenário é preocupante? O que a sociedade e a saúde pública podem fazer?

Quando alguém é positivado, é orientado ao isolamento de 21 dias. Então a vigilância municipal, inclusive elogio a Vigilância Municipal de João Pessoa que tem feito um trabalho extraordinário aqui, ela vai na casa da pessoa e passa a acompanhar esse paciente e os contactantes, familiares e todos ao redor. Não se trata só de conversar o paciente, mas monitorar a ele e a todos que correm o risco de ter pego com essa pessoa. Então a ideia é fazer esse monitoramento, detectando qualquer coisa e agir para quebrar o ciclo de transmissão.


*Entrevista publicada originalmente na edição impressa de 7 de agosto de 2022.

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