De novembro a dezembro de 2022: o que as investigações mostram até agora da estratégia golpista
Polícia Federal prendeu 4 militares do Exército e 1 agente da corporação por envolvimento em esquema para matar Lula, Alckmin e Moraes. Golpistas fizeram reunião na casa do ex-ministro Braga Netto.
A Polícia Federal deflagrou nesta terça-feira (19) uma operação que revelou uma estratégia golpista para matar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Quatro militares do Exército foram presos por envolvimento na trama golpista e homicida. Também foi preso um agente da Polícia Federal.
Os planos foram traçados para serem executados no fim de 2022, logo após Lula ter ganhado a eleição do ex-presidente Jair Bolsonaro. E logo antes Lula tomar posse como presidente, em janeiro de 2023.
As investigações fazem parte do trabalho da PF de desvendar a tentativa de golpe de Estado que pairou no país no fim de 2022 e as ligações da trama golpista com o governo Bolsonaro.
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Quem é quem no plano de golpe que previa matar Lula
Veja abaixo, com base na operação desta terça, as principais datas da trama golpista entre novembro e dezembro de 2022:
1º de novembro de 2022
Logo após o resultado das eleições de 2022, quando o então presidente Jair Bolsonaro (PL) foi derrotado por Lula (PT), manifestantes começaram a acampar em frente a quarteis do Exército pelo país, incluindo quartel-general da Força em Brasília.
O general Mário Fernandes, então secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência da República, visita o acampamento na capital federal e tira fotos de si mesmo no local. Os registros se repetem ao longo dos dias seguintes no mesmo mês.
General Mario Fernandes tirou selfie em acampamento golpista em 2022 — Foto: Reprodução/ PF
9 de novembro de 2022
Segundo a Polícia Federal, neste dia Fernandes criou em um computador no Palácio do Planalto um documento intitulado “Planejamento – Punhal Verde Amarelo”, que “indica a elaboração de um detalhado planejamento que seria voltado ao sequestro ou homicídio do Ministro Alexandre de Moraes e, ainda, dos candidatos eleitos Luís Inácio Lula da Silva e Geraldo José Rodrigues Alckmin Filho, ambos componentes da chapa vencedora das eleições.”
Para a PF, “trata-se, a rigor, de um verdadeiro planejamento com características terroristas, no qual constam descritos todos os dados necessários para a execução de uma operação de alto risco. O plano dispõe de riqueza de detalhes, com indicações acerca do que seria necessário para a sua execução, e, até mesmo, descrevendo a possibilidade da ocorrência de diversas mortes, inclusive de eventuais militares envolvidos.”
No mesmo dia, segundo a PF, o documento “foi impresso pelo investigado Mário Fernandes no Palácio do Planalto(…) e posteriormente levado até o palácio do Alvorada, local de residência do presidente da República, Jair Bolsonaro.” Os registros do Palácio da Alvorada apontam a presença de Fernandes no prédio naquele dia.
Arquivo do documento impresso no Planalto contém o passo a passo do golpe — Foto: Reprodução
12 de novembro de 2022
Segundo os investigadores, neste dia foi realizada uma reunião na residência do general da reserva Walter Braga Netto, então candidato derrotado à vice-presidência na chapa de Bolsonaro.
Segundo a PF, foi após a reunião que o grupo investigado começou a realizar o monitoramento do ministro do STF Alexandre de Moraes. Na representação, os investigadores afirmam que foi neste encontro que “o planejamento operacional para a atuação dos ‘kids pretos’ foi apresentada e aprovada (sic).”
Nesta transcrição abaixo, eles combinam de ir à casa de Braga Netto, “na 112”
Print mostra golpistas combinando encontro na casa de Braga Netto — Foto: Reprodução
Para a polícia, além de Braga Netto estavam presentes na reunião o tenente-coronel Mauro Cid, então ajudando de ordens da Presidência da República, e dois dos presos na operação desta terça-feira: o major Rafael Martins de Oliveira e o tenente-coronel Hélio Ferreira Lima.
O ex-ministro do governo Jair Bolsonaro, o general Braga Netto — Foto: André Dusek/Estadão Conteúdo
Entre 20 e 28 de novembro de 2022
Segundo a PF, vários dos investigados na operação de hoje se deslocaram a Brasília e na cidade. O militar Lucas Guerellus, por exemplo, alugou um carro em Goiânia no dia 20/11 e seguiu para a capital federal no dia seguinte. No dia 21, Helio Ferreira Lima chega à capital goiana, na mesma data em que Rafael Oliveira aluga um carro na cidade. A PF utilizou os registros do pedágio na rodovia entre as cidades para identificar o deslocamento dos carros alugados.
Já na cidade, a Polícia Federal utilizou as antenas de celular para, a partir da área de cobertura utilizada pelos aparelhos dos investigados, identificar que “alguns locais pesquisados por Rafael de Oliveira e seus respectivos horários de pesquisa.”
Ainda segundo os investigadores, “entre outros registros, percebem-se localidades próximas à residência do Ministro Alexandre de Moraes.”
24 de novembro de 2022
Segundo a PF, já durante as ações de monitoramento, o major Rafael de Oliveira se envolveu em um acidente na estrada entre Goiânia e Brasília. Por conta do acidente, dizem os investigadores, Oliveira fez fotos dos documentos do outro motorista envolvido — e posteriormente utilizou os dados para registrar uma das linhas telefônicas utilizadas nas ações de 15 de dezembro (veja mais abaixo).
6 de dezembro de 2022
Com base nos registros das antes de celular, a PF identificou que Rafael novamente partiu de Goiânia para Brasília, circulando pela cidade. Naquele dia, segundo a PF, “as atividades observadas nesse período indicam mensagens trocadas entre Rafael de Oliveira e Mauro Cid e possível registro de ambos no mesmo local: Palácio do Planalto.”
Cruzando estas informações com mensagens de ajudantes de ordem da Presidência enviadas para Cid, os investigadores destacam que “fica evidenciado (sic) a presença concomitante dos militares Rafael de Oliveira e Mauro Cid na região do Palácio do Planalto em horário compatível com a presença do então presidente da República Jair Bolsonaro por aproximadamente 30 minutos, no local.”
A PF destaca que, no mesmo dia – e também em horário compatível com a presença de Bolsonaro, Cid e Rafael no Planalto – houve a impressão pelo general Fernandes do planejamento “Punhal Verde Amarelo”.
7 de dezembro de 2022
As investigações do inquérito sobre a tentativa de golpe já haviam identificado que no dia 7 de dezembro, o então presidente Bolsonaro recebeu os comandantes das Forças Armadas no Palácio da Alvorada. Segundo o então comandante do Exército, general Freire Gomes, naquele dia Bolsonaro apresentou uma minuta de decreto que previa o “estado de sítio dentro das quatro linhas.”
Diante da informações sobre a reunião, o general Mário Fernandes encaminhou a Mauro Cid mensagem sobre o encontro, pedindo que um vídeo fosse exibido ao comandante do Exército.
No mesmo dia, mensagens trocadas entre Mauro Cid e o então assessor da Presidência, Marcelo Câmara, indicam que o monitoramento do ministro Alexandre de Moraes continuava sendo realizado.
8 de dezembro de 2022
Segundo a PF, as linhas telefônicas que fizeram parte do grupo de mensagens intitulado “Copa 2022” foram ativadas neste dia. Segundo a PF, os registros se utilizaram de dados de pessoas sem envolvimento nos planos, em uma ação que “converge com o processo de “anonimização”, técnica prevista na doutrina de Forças Especiais do Exército que possui como finalidade não permitir a identificação do verdadeiro usuário do prefixo telefônico.”
Naquele mesmo dia, Mário Fernandes relata a Mauro Cid ter conversado pessoalmente com Bolsonaro. Segundo ele, na conversa, Bolsonaro teria dito que “o dia 12, pela diplomação do vagabundo [referência a Lula, recém eleito], não seria uma restrição” e que “qualquer ação nossa pode acontecer até 31 de dezembro e tudo.” Fernandes reclama a Cid, dizendo que eles já haviam perdido “tantas oportunidades” e que em breve haveria mudança nos comandos das Forças Armadas.
A PF destaca que os registros do Palácio da Alvorada de fato indicam que Fernandes este no local por pelo menos 40 minutos naquele dia.
9 de dezembro de 2022
Os telefones eventualmente vinculados ao grupo Copa 2022 ativados na véspera começam a funcionar, com registros principalmente na região do Núcleo Bandeirante, em Brasília. Posteriormente, alguns dos aparelhos que receberam estas linhas telefônicas foram utilizados por Rafael de Oliveira e por outro investigado, Rodrigo Azevendo — uma evidência, para os investigadores, da identidade de ambos no grupo Copa 2022.
Naquele dia, Bolsonaro fez a primeira fala a apoiadores desde a derrota nas eleições, com falas como “se Deus quiser, tudo dará certo no momento oportuno” e “nada está perdido.”
Em mensagens a Cid, Mário Fernandes diz ser “bacana” que o presidente “aceitou aí o nosso assessoramento.” Na mesma época, entre 9 e 13 de dezembro, a PF registrou conversas do general com pessoas acampadas em frente ao quartel-general do Exército, incluindo pedidos de orientação a Fernandes. Para a PF, “O contexto das mensagens evidenciam que Mário Fernandes era o ponto focal do governo de Jair Bolsonaro com os manifestantes golpistas”.
10 de dezembro de 2022
Mais mensagens trocadas entre Marcelo Câmara e Mauro Cid apontam a continuidade do monitoramento de Moraes.
12 de dezembro de 2022
No dia da diplomação da chapa de Lula e Alckmin, bolsonaristas radicais tentam invadir o prédio da PF e incendiaram carros e ônibus em Brasília.
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Bolsonaristas radicais tentam invadir a sede da PF em Brasília
13 de dezembro de 2022
Celulares ativados no dia 8 e que integrariam o grupo do evento Copa 2022 se deslocam. O utilizado pelo codinome Gana – os codinomes correspondiam a seleções que disputavam o torneio de futebol daquele ano – vai de Goiânia para Brasília, onde se desloca por “locais de interesse da ação”, segundo a PF, incluindo “a residência funcional do ministro Alexandre de Moraes.”
15 de dezembro de 2022
Para a Polícia Federal, este foi o dia em que o evento Copa 2022 quase se realizou. Neste dia, o telefone vinculado ao codinome Austria também deixa Goiânia em direção a Brasília, assim como Rafael de Oliveira – em seu veículo particular – e um carro pertencente ao Batalhão de Ações e Comando do Exército – BAC – localizado em Goiânia. Pelas cameras do pedágio, a PF conclui que havia ao menos duas pessoas no veículo, mas não as identificou.
Na noite daquele dia, no grupo Copa 2022, Rafael de Oliveira (segundo a PF, utilizando o codinome Japão) se apresenta e diz estar em posição. Mais tarde, o codinome Áustria também se diz em posição. O codinome Alemanha, no entanto, identificado pela PF como possível líder do grupo, encaminha a todos uma reportagem indicando que uma sessão de julgamentos do Supremo Tribunal Federal havia se encerrado mais cedo. Neste momento, o codinome Áustria questiona se “vai cancelar o jogo”, ao que o codinome Alemanha responde “Abortar… Áustria volta para o local de desembarque… estamos aqui ainda…”
Print da troca de mensagens entre os golpistas que estavam na rua para capturar Moraes — Foto: Reprodução
Para a Polícia Federal, o evento Copa 2022 “apresenta elementos típicos de uma ação militar planejada detalhadamente, porém, no presente caso, de natureza clandestina e contaminada por finalidade absolutamente antidemocrática”. Identificando semelhanças entre elementos do planejamento “Punha Verde Amarelo” e o ocorrido no dia 15 de dezembro, a PF entendeu que na Operação Copa 2022 “que militares Forças Especiais executaram uma ação clandestina no dia 15 de dezembro de 2022, para prender/executar o ministro Alexandre de Moraes na cidade de Brasília/DF”.