Setor de refrigeração diz ser possível adaptar rede para vacina da Pfizer
Desafio seria mudar a rede para uso em -70 C em curto prazo; especialistas defendem uso do imunizante como alternativa
A vacina da farmacêutica americana Pfizer contra a covid-19 envolve um desafio: manter o produto em temperatura inferior a -70° C para que não perca sua eficácia. Esse é um dos motivos para resistência do governo federal em relação ao produto. Como a maioria das vacinas do Programa Nacional de Imunizações (PNI), do Ministério da Saúde, é armazenada entre 2º C e 8° C, o País teria de investir em novas estruturas de armazenamento.
O engenheiro mecânico Oswaldo de Siqueira Bueno, consultor da Associação Brasileira de Refrigeração, Ar Condicionado, Ventilação e Aquecimento (Abrava), explica que o mercado brasileiro está preparado para temperaturas de – 30º C. Por outro lado, afirma ser possível construir os super-refrigeradores em 60 dias. “Os equipamentos para montagem estão disponíveis no País. O problema é o tempo.”
O investimento é alto. Um freezer com temperatura regulável de -50ºC a -86ºC e capacidade de 368 litros custa em média R$ 31 mil. “Não basta o equipamento em si, mas toda a instalação para suportar essas temperaturas”, diz o especialista.
Diante da demora do governo federal, a Bahia já se antecipou. A Secretaria Estadual da Saúde informou que já está fazendo cotações de freezers de baixas temperaturas. “Caso a primeira vacina aprovada pela Anvisa não seja incorporada e fornecida dentro do PNI ou caso a aquisição venha a ser tardia, o governo do Estado poderá adquirir essas vacinas diretamente do fornecedor para uso na população de risco da Bahia”, diz o secretário da Saúde, Fábio Villas-Boas, ao Estadão.
O governo garantirá a montagem da rede de frio a -70 graus. Estamos montando um registro de preço para até 100 unidades de ultracongeladores”, completa ele. A Bahia é justamente o lugar onde o imunizante é testado no Brasil, mas o Estado não fez acordo para compra e distribuição do produto, como o governo paulista fez com o laboratório chinês Sinovac, que desenvolve a Coronavac em parceria com o Instituto Butantã.
O Conselho Nacional de Climatização e Refrigeração, entidade que reúne associações e empresas da área, afirma que o “setor de frio nacional pode adequar a infraestrutura e disponibilizar soluções para qualquer temperatura, inclusive -70°C, com planejamento e investimento”. A adaptação seria feita nos refrigeradores maiores e mais potentes, que poderiam ampliar a capacidade até -70ºC por meio de equipamentos específicos.
O custo de adequação fica em torno de 10% a 50% do valor total do equipamento. Os super-refrigeradores também consomem mais energia elétrica: o aumento seria da ordem de 30%.
Outro fator importante é a logística de distribuição. A Pfizer informa que desenvolveu um plano e vai oferecer “ferramentas para apoiar o transporte eficaz, o armazenamento e o monitoramento contínuo da temperatura da vacina”. Uma delas foi a criação de uma embalagem para 5 mil doses. Nessas caixas, mantidas com gelo seco, as vacinas aguentariam até 15 dias. Vale lembrar que a vacina também pode ficar em refrigerador comum, que mantém temperaturas entre 2° C e 8º C, por até 5 dias. Aqui, o problema também é quantidade. Seriam poucas vacinas armazenadas por vez.
No México, a Pfizer vai ser responsável pelo armazenamento do produto até a hora da vacinação, segundo a subsecretária de Assuntos Multilaterais da Secretaria de Relações Exteriores informou à Agência Efe. O país comprou 34,4 milhões de doses. Peru, Chile e Costa Rica compraram outros 22,9 milhões de doses.
Laboratórios precisam de mudanças para guardar doses
Os laboratórios privados precisam de adaptações para armazenar a vacina. A médica Jeane Tsutsui, diretora executiva de Negócios do Grupo Fleury, explica que as câmaras frias de baixa temperatura atuais armazenam amostras para testes de análises clínicas e de anatomia patológica (biópsias) por determinação legal.
“O armazenamento de vacinas para campanhas de imunização em larga escala exigiria investimentos adicionais na instalação de novas câmaras frias de baixa temperatura”, diz ela. “No Grupo Fleury, a capacidade de armazenamento de materiais adicionais em baixa temperatura é limitada”, acrescenta.
Especialistas defendem ter opção de imunizante
Especialistas ouvidos pelo Estadão recomendam a aquisição da vacina da Pfizer como alternativa. “Quanto mais opções, melhor. O Brasil não vai poder fazer a cobertura da população com uma vacina. Outros países negociam com cinco vacinas”, opina Eduardo Flores, virologista da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
Por causa da necessidade de armazenamento a baixas temperaturas, condição presente só nas grandes cidades, Julio Croda, ex-diretor do Departamento de Imunizações e Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde e pesquisador da Fiocruz, sugere que as campanhas sejam realizadas inicialmente nesses locais. Faculdades de física de universidades em São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Pernambuco possuem instalações com temperaturas abaixo dos -70ºC.
Flávio Guimarães, virologista da Universidade Federal de Minas (UFMG), concorda. “A resposta não é simples, de sim ou não. É ‘talvez’. A vacina deve ser mantida como alternativa para os grandes centros. Outras que necessitem de temperaturas maiores podem ser levadas para o restante do País”.
Outros especialistas lembraram que as demais vacinas em teste no País, como a da Universidade de Oxford e a Coronavac, também são adequadas para a realidade em função dos resultados dos testes iniciais. Os pesquisadores lembram que a vacina da Pfizer é a mais cara de todas. A dose é estimada em R$ 106, ante R$ 56 da Coronavac e algo entre R$ 16 e R$ 22 do imunizante de Oxford.
Gonçalo Junior