RJ: PMs são presos sob acusação de matar jovens negros; vídeo flagrou tiro.
Dois policiais militares foram presos no sábado em Belford Roxo (RJ) após um vídeo flagrar a abordagem de dois jovens negros que foram encontrados mortos horas depois da ocorrência. Nas imagens obtidas pelo UOL, gravadas na madrugada por câmeras de segurança em uma rua pouco iluminada do município da Baixada Fluminense, um dos PMs aparece atirando nas vítimas em uma moto sem qualquer motivo aparente.
Baleados por um tiro à queima-roupa, eles deixam o local com vida, ao entrarem em uma viatura à 1h15, em uma ação que dura apenas nove minutos, como mostra o vídeo. Os corpos foram encontrados na tarde de sábado, a menos de três quilômetros do local do disparo seguido de abordagem registrado por câmeras de segurança na rua.
Jordan Luiz Natividade, de 17 anos, chegou a ser algemado. Com um ferimento na cabeça, Edson Arguinez Júnior, 20, aparece nas imagens registradas na rua Margem Esquerda, na Vila Medeiros, em Belford Roxo (RJ) com a camisa no local, para estancar o sangramento. A Polícia Civil ainda investiga o caso para verificar se o ferimento foi causado pelo disparo.
O cabo Júlio César Ferreira dos Santos e o soldado Jorge Luiz Custódio da Costa foram presos por suspeita de autoria do crime de homicídio qualificado, após terem sido identificados no vídeo. Os jovens serão enterrados hoje à tarde em um cemitério de Belford Roxo (RJ).
Tiro, agressões e algemas sem motivo
Quando a moto passa pela rua, o condutor reduz a velocidade e desvia do soldado Jorge Luiz, que atira à queima-roupa. O rapaz que pilotava o veículo perde o equilíbrio e os jovens caem. Após a queda da moto, um dos jovens é chutado no chão pelo soldado, como registrado pelo vídeo. O cabo Júlio César, então, se aproxima para fazer a abordagem. Em seguida, os jovens são arrastados pelos braços. Jordan, um dos jovens, se arrasta até a calçada sob a mira do fuzil do cabo da PM. Em imagens registradas por outra câmera, os jovens aparecem sentados na calçada. Nesse momento, um dos PMs bate na cabeça de Jordan com o cano do fuzil e parece iniciar uma conversa.
Algemado mesmo sem motivos, já que não tinha antecedentes criminais, ele foi conduzido à viatura. Edson, que segurava a camisa na cabeça para estancar o sangramento, também foi levado ao banco traseiro do veículo da polícia, onde peritos encontraram vestígios de sangue. Um dos PMs apareceu no vídeo indo em direção à moto para pilotá-la, enquanto o seu colega de farda dava a partida na viatura com os jovens, para segui-lo.
Corpos com sinais de violência Os corpos foram encontrados na tarde de sábado na Estrada de Xerém, no bairro de Babi, em Belford Roxo (RJ), com sinais de violência e marcas de tiros. Jordan estava sem as roupas e com o maxilar quebrado, segundo informações passadas pela perícia da Polícia Civil à família.
O Edson era um filho carinhoso, gentil, educado. Ele não fez nada para justificar essa crueldade que fizeram com ele. Na cabeça deles [PMs], dois pretos não podem andar em uma moto sem serem criminosos Renata Santos de Oliveira, mãe de Edson O técnico de telefonia Ronan Santana, 27 anos, tio de Jordan, disse que os jovens estavam em um churrasco com amigos e saíram de moto para encontrar com umas garotas. Na manhã seguinte, os próprios amigos procuraram pela família deles com a notícia de que eles teriam sido abordados pela polícia, segundo informação repassada por moradores. “Fomos lá e só encontramos o casaco de um deles no chão. Aí, descobrimos os vídeos”, relata.
O técnico de telefonia Ronan Santana, 27 anos, tio de Jordan, disse que os jovens estavam em um churrasco com amigos e saíram de moto para encontrar com umas garotas. Na manhã seguinte, os próprios amigos procuraram pela família deles com a notícia de que eles teriam sido abordados pela polícia, segundo informação repassada por moradores. “Fomos lá e só encontramos o casaco de um deles no chão. Aí, descobrimos os vídeos”, relata.
PMs não relataram tiro em blitz Segundo a Polícia Civil, as armas do cabo Júlio César Ferreira dos Santos e do soldado Jorge Luiz Custódio da Costa foram apreendidas para perícia. Contudo, só consta a apreensão de uma pistola no auto de prisão em flagrante.
A prisão em flagrante foi convertida em preventiva ontem pelo Juízo da Central de Custódia. “Tal ocorrência não foi registrada em nenhuma delegacia, tampouco encaminhada a outro órgão, tendo os policiais deixado o plantão respectivo sem nada relatar a seus superiores”, cita o juiz de plantão Rafael de Almeida Rezende.
Após o vídeo ser entregue por parentes das vítimas ao 39º BPM (Belford Roxo), os PMs foram chamados ao batalhão. Em seguida, acabaram sendo conduzidos à Delegacia de Homicídios da Baixada (DHBF), que investiga o caso. Peritos encontraram vestígios de sangue nos tapetes da viatura usada pelos policiais militares. Também foi apresentado o livro de armamento do dia de serviço, que informava que eles não tinham efetuado disparos. “[Isso] contrasta cabalmente com as imagens do vídeo citado, em que há um clarão durante a abordagem, a indicar tal disparo”, cita a decisão do Juízo da Central de Custódia.
O que disseram os policiais
Em depoimento à Polícia Civil, o soldado Jorge Luiz e o cabo Júlio César negaram o disparo que aparece no vídeo, sob a alegação de que a moto caiu porque o condutor acabou perdendo o equilíbrio ao desviar do soldado Jorge Luiz. Já o cabo Júlio César disse que conversava com o motorista de um veículo na calçada quando a moto caiu. Jorge Luiz disse, ainda, que os jovens estavam em “atitude suspeita”. A reportagem tentou contato, mas não conseguiu localizar os advogados deles.
A reportagem tentou contato, mas não conseguiu localizar os advogados deles. Os PMs também citaram o ferimento na cabeça de Edson. Segundo eles, possivelmente causado na queda do veículo. Ambos disseram ter pedido para que o jovem usasse a própria camisa para estancar o sangue e questionado se eles queriam ir ao hospital, mas os jovens teriam dito que não, segundo o relato prestado pelos PMs. Jorge Luiz confirmou ter pilotado a motocicleta, seguida pela viatura conduzida por Júlio César, a caminho de uma delegacia. Mas disseram que os jovens acabaram sendo liberados 40 metros depois, porque não tinham antecedentes criminais. Questionado, falou que o episódio não foi relatado aos superiores porque não haveria motivo.
Herculano Barreto Filho
Do UOL, no Rio