Análise: Por que a Ford escolheu a Argentina em vez do Brasil

A notícia da saída da Ford do Brasil, vai custar mais de 5 mil empregos, pegou boa parte do mercado de surpresa, dava para perceber que a montadora estava perto de reformular toda a sua atuação no país.

Poderia ser algo global. Afinal, o setor automotivo não anda bem das pernas nos últimos anos e a companhia já havia anunciado a paralisação da produção de diversos carros de passeio ao redor do mundo, incluindo nos Estados Unidos. 

Mesmo com a Argentina nosso país vizinho atravessando uma crise, a montadora americana anunciou  no mês passado  o investimento de R$ 3 bilhões.

Foco em carros grandes

Na Argentina, a Ford investe em carros grandes, como picapes e SUVs. A Ranger  vendida aqui no Brasil, por exemplo, vem de lá. O Brasil, com o seu mercado interno robusto  concentrou a produção dos carros de passeio. Porém, os carros populares, aparentemente, não eram mais tão lucrativos para a Ford.

Lyle Watters, presidente da Ford na América do Sul, em nota, falou que o seu dedicado time fez progressos significativos na transformação das  operações, incluindo a descontinuidade de produtos não lucrativos e a saída do segmento de caminhões.

“Esses esforços melhoraram os resultados nos últimos quatro trimestres, entretanto a continuidade do ambiente econômico desfavorável e a pressão adicional causada pela pandemia deixaram claro que era necessário muito mais para criar um futuro sustentável e lucrativo”, completou.

Então, já que a Argentina era um país com expertise para a fabricação desses modelos de maior valor agregado, foi mais fácil ficar por lá. O foco da empresa é a “oferta de veículos conectados de alto valor agregado e qualidade”. Há mais de uma década esse é o perfil da produção na argentina. 

Custos fixos mais baixos

Segundo o consultor da ADK Paulo Garbossa, especializado no setor, o Brasil deveria ter focado em picapes e SUVs, que são os queridinhos dos consumidores há algum tempo, e, também, em resolver a bagunça tributária. Mas o fato de os custos fixos no país vizinho serem mais baixos, como os gastos com a mão de obra, também pode ter pesado na decisão. 

Um estudo da Associação Nacional das Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) mostra que um carro no Brasil paga entre 48,2% e 54,8% de taxa, levando todos os impostos como ICMS, ISS, PIS e Cofins (e o efeito cascata embutido nele).

Após o anúncio da montadora, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), postou em sua conta do Twitter que a decisão é uma demonstração da falta de credibilidade do governo brasileiro, de regras claras, de segurança jurídica e de um sistema tributário racional. “O sistema que temos se tornou um manicômio nos últimos anos, que tem impacto direto na produtividade das empresas”, escreveu.

Perda de espaço no mercado nacional

Mas a montadora americana também não pode falar que a crise brasileira e a pandemia foram os únicos responsáveis pelo momento ruim dela no país. A empresa, nos últimos anos, vinha perdendo espaço tanto em volume quanto em participação de mercado.

Em 2015, a Ford era a quarta maior montadora no Brasil, com uma fatia de 10,24% do mercado. No ano passado, foi a quinta, com 7,14% de participação. Em 2019, havia sido pior ainda: ocupou a sétima posição.

Em 2019, a Ford viu suas vendas caírem mais de 10% em comparação com os resultados do ano anterior. Nesse ano, as vendas de veículos subiram quase 9%, segundo a Fenabrave. A sul-coreana Hyundai abocanhou a quarta posição no mercado nacional.

Em entrevista coletiva, Lyle Watters, presidente da Ford na América do Sul, confirmou o lançamento de quatro novos modelos para a região, todos produzidos fora do país: o utilitário Transit, uma nova versão da picape Ranger, a edição limitada do esportivo Mustang, o Mach 1, e o novo SUV global da marca, o Bronco.  Em 2019, para completar, a empresa havia anunciado o fechamento de sua fábrica em São Bernardo do Campo (SP), onde montava caminhões e o Fiesta, que foi um dos seus modelos de maior sucesso no Brasil. 

Carros importados agora

Mas se engana quem pensa que não verá mais carros da Ford no Brasil. Só que agora serão carros mais robustos e, claro, importados. 

O Brasil e a Argentina assinaram, em 2019, um acordo comercial que prevê o livre comércio de bens automotivos até julho de 2029. Os acordos anteriores entre Brasil e Argentina para o setor automotivo vinham sendo renovados periodicamente. 

Outras empresas podem ir embora?

Outras empresas podem seguir esse caminho da Ford? Para Antonio Jorge Martins, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), não. O caso da Ford, segundo ele, é muito específico.

“A estratégia da Ford é focar em sua produção de carros com tecnologia mais sofisticada. Outras fábricas e montadoras têm foco outros nichos”, diz Martins. “E em níveis de produção, há plena capacidade da indústria brasileira de ocupar esse espaço vazio pela Ford.” A General Motors, provavelmente, vai querer um pedaço dessa fatia que a Ford vai deixar para trás. Na semana passada, ela anunciou que irá retomar em 2021 o planejamento que previa investir R$ 10 bilhões em suas fábricas no país pelos próximos cinco anos, destinados à inovação e também à produção de modelos ainda inéditos no Brasil

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